Alguns dizem que os pais devem dar o exemplo, lendo para os filhos, contando histórias, tendo livros em casa. Que os professores devem despertar o gosto(???) pela leitura.No entanto, as coisas não funcionam assim.
Em uma pesquisa que realizei com alunos de escola pública, quanto perguntei quantos livros eles tinham em casa, a maioria respondia orgulhosa:
-Ih, mais de vinte!
Quando pedia para que lembrassem o nome de um livro, respondiam:
-Ah, tem aquele que estudei na segunda série, aquele da primeira, cheio de historinhas... Concluí que os únicos livros que eles possuíam eram os didáticos. E guardados, como tesouros.Era a biblioteca deles.
Claro. Quando analisei os indicadores sócio-econômicos, vi que os pais, quando tinham e quando estavam trabalhando, tinham uma renda mensal de no máximo, um salário mínimo. E aí, como comprar livros, se o mais importante era a sobrevivência? Comprar comida é muito mais importante. Daí que ter livros em casa, ler para as crianças,parece ser uma alternativa pouco adequada à formação de leitores nas classes populares.
Mas, como se dá a alquimia? O que faz alguém se tornar um leitor, daqueles que os olhos brilham quando vê um livro novinho em folha?
Em algum momento, alguém se torna um leitor ávido por livros. Foi assim comigo.
Tive uma mãe semi-alfabetizada, que precisava costurar prá ajudar nas despesas da casa. Então não sobrava tempo prá ler a Biblioteca das Moças.Os únicos livros que vi minha mãe lendo, foram aqueles de orações. Claro, novenas são necessárias pra se pedir ajuda e dar conta de sustentar os filhos. E tinha também as revistas de moda, com os moldes que ela tinha que ler pra contentar as clientes. Então prá mim, ela era uma leitora. Lia o que lhe interessava, o que era preciso, a leitura utilitária.
Com meu pai era diferente. Ele tinha pilhas de livros de Cordel, que guardava muito bem em gavetas do guarda-roupa.E todas as noites ele lia.Daí que por curiosidade, quando comecei a ler, eu queria saber o que tanto contavam aqueles livrinhos.E me tornei uma leitora de Cordel, aos 6 anos.Então, meu pai era leitor. Um leitor muito peculiar. É que ele só sabia ler, não sabia escrever. Aprendeu a ler, e muito cedo, lendo as legendas dos filmes de faroeste,que ele assistia toda semana no cinema.E vivia lendo jornal também.A página de esportes, principalmente.E lia plantas de construções, já que ele era chefe de obras. E discutia tudo e até discordava dos “dotô”, porque eles estudavam tanto e não sabiam que aquele trem tinha erro e que, por isto, o prédio ia cair. Eu assisti a muitas destas contendas. E ele sempre vencia. Ou então largava o emprego, para não ser o responsável por troço mal feito. Então, ele também lia o que lhe interessava e acho que ele não era nenhum analfabeto.
E eu, fui estudar numa escola pública. Mas, daquelas que eram boas. Se você não sabe o que era uma escola pública boa, fique sabendo que a nata da sociedade estudava era por lá, como deveria ser até hoje. E a escola ainda existe.
Instituto de Educação - Juiz de Fora
E a escola tinha uma biblioteca enooooorme.E, lá também, tinha uma professora que contava histórias. Em capítulos. A Dona Vera(onde andará?). Era um ritual todos os dias. Faltando quinze minutos para terminar as aulas, guardávamos todo o material e esperávamos começar a contação de histórias. E a professora não precisava lembrar o que tinha lido na aula anterior. Estava tudo ali, na cabecinha de alunas de 3ª série ( ah, na escola,nesta época,só estudavam meninas), porque a gente ouvia a história e olhava prá professora, como se estivéssemos no cinema.Porque a gente “via” as imagens que ela lia. Até que um dia, numa aula de biblioteca( é, a gente ia prá bilioteca, uma vez por semana, prá ler o que quisesse) descobri o livro que a professora estava lendo prá gente. Foi um achado. Peguei meu primeiro livro emprestado na biblioteca, prá saber rapidinho o que iria acontecer, e não ter que esperar a professora contar o final. E foi assim, que todos os livros de Lobato entraram na minha memória afetiva de leitora.
E a biblioteca passou a ser aquele lugar mágico onde tudo o que perguntava, eu achava a resposta por ali.
E me tornei leitora. Não porque eu tivesse os clássicos da literatura infantil em casa, não porque eu pudesse comprar livros.Mas, para saciar curiosidades, prá descobrir coisas.Acho que é isto que faz com que a gente se torne leitor. Leitor de qualquer coisa. Porque, leitores não são apenas aqueles que leram todos os clássicos.Claro que eles são importantes, em algum momento. Mas, antes, é preciso ter se tornado um leitor de quadrinhos, de Lobato, de best-selller, de receitas, de plantas de prédios, de folhetos distribuídos na rua e de muitas outras coisas no dia-a-dia.
E aquela coleção de Cordel? Aquele tesouro inestimável sempre era relido. Mas, depois de algum tempo, os livrinhos se perderam. Anos depois, encontrei numa livraria da rodoviária de Belo Horizonte, os livrinhos da minha infância. Comprei uma pilha.Ao chegar da viagem e mostrar ao meu pai, os olhos dele brilharam.E leu todos, tenho certeza que com muitas saudades. Daí que, toda semana, ao sair do mestrado eu ia à livraria da Rodoviária. E tive até que fazer lista do que eu já havia comprado. E uma nova coleção se formou.
Me lembro da última compra. Ao chegar da viagem, meu pai doente, com 82 anos, se levanta da cama e pergunta:
-Trouxe livrinho?
-Claro, né!!! Um monte.
E ele leu todos, naquela noite mesmo. E dois dias depois ele se foi...mudou de astral.E mostrou até o último momento o que é ter vontade de ler.
Hoje não tenho mais os livrinhos. Eu emprestei, prá escola onde trabalhava, para que as professoras pudessem ler com os alunos. E um ladrão safado, entrou lá e levou toda a minha coleção de cordel e de quadrinhos.
Tomara que tenha sido prá ler!!!
Mas, quem tem amigos, nunca perde seus prazeres de leitura. A Mani, ao saber de minha história, está juntando uma coleção prá mim. Direto do Nordeste. Ôba!
Se você quiser ler mais sobre livros, leitores e formação de leitor, não deixe de ler os textos da Professora Ana Elisa Ribeiro.Depois vou postar um e-mail delicioso dela.
E você, como se tornou um leitor? Já pensou sobre isto? Conte aí.
Querida falmiga, adorei seu post pois eu também comecei a tomar gosto pela leitura nas primeiras séries do "Grupo Escolar Maurício Murgel" (BH). A minha professora lia Monteiro Lobato e Julio Verne nos ultimos 15 minutos de aula. Era delicioso!Eu também tinha aulas de biblioteca! Depois descobri a biblioteca de um vizinho o "Seu Antonio" e passei bons momentos naquele lugar mágico. Foi o "Seu Antonio" quem me emprestou "Grande Sertão Veredas" quando eu tinha 13 anos.Li e desde então me apaixonei por Guimarães Rosa.E hoje sou muito grata a todos pois consegui despertar esse mesmo gosto nos meus filhos.Beijos!
ResponderExcluirEsse texto me deixou arrepiada. CLAP CLAP CLAP!!!
ResponderExcluirVou responder no meu blog pra vc.
Bjs mil
A Debora tem razão. Também vou responder no meu blog.
ResponderExcluir1abs pra ti.
A Debora tem razão, o post é lindo. E também vou responder à pergunta no meu blog. 1abs
ResponderExcluirFátima!
ResponderExcluirNão sei qual foi o momento mágico em que meus olhos começaram a se encantar com os livros. Mas a mais vaga lembrança é a de meu pai, que nunca aprendeu a ler, buscando pilhas de gibis para que eu me deliciasse.Depois vieram muitos e muitos. E cada vez mais eu me encanto e vejo com alegria que o que realmente deixa as crianças paradas nas aulas é a hora da contação de histórias que faço pra elas. Tomara que brotem sementes. Abraço!
Gostei de sua colocação sobre como se tornou leitora. O que me move tem muita importância em minha vida... é poar aí. Linda caminhada a sua. Eu tenho muito para aprender.
ResponderExcluirAbraço.
Fátima,foi muito difícil ler este post. Sinceramente, é muito difícil ler com os olhos marejados... Meu pai lia livros de faroeste, tipo quadrinhos pra distrair. Tinha muitos de contabilidade, muitos de matemática, pela profissão. Mas gostava dos de quadrinhos. Herdei de minha mãe apenas uma coleção: Mãos de Ouro, de bordados. Nunca bordei na vida, só fiz tricô, mas eles são a herança de minha mãe. Li todos!
ResponderExcluirObrigada por surgir em meu caminho...
Seu texto me emocionou e me fez lembrar do meu pai - que guardava as revistas, pois podiam servir para as pesquisas escolares - e do meu avô, que montou uma biblioteca para os netos antes mesmo de nascermos.
ResponderExcluirUm beijo